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Os dias de festas ou santos retiram a nossa liberdade que Deus nos deu pela Lei – George Gillespie (1613 – 1648)

Fonte: A dispute against the English-popish ceremonies (Parte 1, capítulo 7)

Seção 1: O que foi dito contra todas as cerimônias controversas em geral, agora vou citar os dias de festa em particular e provar, tanto pela lei quanto pelo evangelho, que eles tiram nossa liberdade que Deus nos deu e que nenhum poder humano pode tirar de nós. Que estão fora da lei, estruturamos este argumento: Se a lei de Deus nos permite trabalhar todos os seis dias da semana, a lei do homem não pode nos inibir. Entretanto, a lei de Deus nos permite trabalhar todos os seis dias da semana, portanto, nossos opostos não negam a suposição, que é clara no quarto mandamento: “Seis dias trabalharás”, etc. Contudo, eles teriam algo a dizer contra a proposição, que ouviremos. Hooker nos diz1 que aquelas coisas que a lei de Deus deixa arbitrárias e livres, estão sujeitas às ordenanças positivas dos homens. Isso, devo dizer, é uma teologia estranha, pois se isso fosse verdade, então as leis dos homens poderiam proibir o casamento, porque é deixado arbitrário (1 Coríntios 7.36). Então eles também poderiam ter dispensado o apóstolo Paulo para receber salários, porque aqui ele estava em liberdade (1 Coríntios  9.11-13).

Seção 2: Talen empresta à causa outro impulso e responde que nenhum homem sóbrio dirá2, permissionen Dei, principibus suum circa res medias jus imminuere, num enim ob permissum hominibus dominium in volucres cœli, in pisces maris, et bestias agrii , impiae fuerint leges principum, quibus aucupii, piscationes, et venationis libertatem, sebditis aliis indulgent, aliis adimunt [que homens ilustres têm permissão de Deus para usurpar seu próprio direito no que diz respeito a assuntos indiferentes, pois as leis de homens ilustres possivelmente teriam sido ímpias por causa do domínio concedido aos homens sobre as aves do céu, os peixes do mar e as feras do campo, pelas quais concediam a uns, proibiam a outros, a captura de pássaros, a pesca e a liberdade de caçar]. Resposta: Esse caso e este são muito diferentes. Pois todo homem em particular não tem domínio e poder sobre todas as aves, peixes e animais (senão, além de que os príncipes não devem ter privilégio de inibir o uso dessas coisas, não deve haver propriedade de herança e posse entre os súditos); mas o poder sobre tudo isso é dado à humanidade. Pareus observa3, hominem coletiva intelligi [o homem deve ser entendido coletivamente) naquele lugar (Gênesis 1.26); e Junius observa4, nomen Adam de specie esse intelligendum [o nome Adão deve ser entendido como pertencente à espécie]. Contudo, cada homem em particular e não apenas a humanidade, tem permissão para trabalhar seis dias. Portanto, é claro que a liberdade do homem não é reduzida no outro caso como neste, porque a humanidade tem domínio sobre essas criaturas, quando apenas alguns homens a exercem, assim como se todos a exercessem.

Seção 3: A resposta do bispo Lindsey não é melhor5, a saber, que esta liberdade que Deus deu aos homens para o trabalho não é absoluta, mas sujeita à ordem. Pois, 1) Que tirania existe tão grande, espoliando os homens totalmente de sua liberdade, mas essa pretensão concorda com isso? Pois, por ordem, ele entende as constituições de nossos governadores, como fica claro em suas palavras anteriores, de modo que isso pode ser alegado como uma desculpa justa de qualquer tirania de governadores (que os homens devem estar sujeitos à ordem), não menos do que para tirando-nos a liberdade de trabalhar seis dias; 2) Esta resposta nada mais é do que uma petição do que está em questão, pois a presente questão é se as constituições de nossos governadores podem ou não nos impedir de trabalhar todos os seis dias da semana, e ainda assim ele não diz mais nada, mas que essa liberdade de trabalho deve estar sujeita à ordem, isto é, às constituições dos governadores; 3) Embora devamos humildemente nos sujeitar aos nossos governadores, ainda assim não podemos submeter nossa liberdade a eles, que Deus graciosamente nos deu, porque somos proibidos de ser servos dos homens (1 Coríntios 7.23); ou ser enredado com o jugo da escravidão (Galátas 5.1).

Seção 4: No entanto, devemos ouvir o que o bispo pode dizer contra nossa proposição6: “Se sob a lei (diz ele) Deus não estragou seu povo de liberdade, quando ele os designou para descansar dois dias na Páscoa, um no domingo de Pentecostes , etc., como a majestade do rei e a igreja podem ser consideradas como estragando nossa liberdade, que ordenam a cessação do trabalho em três dias?” e etc. Ó horrível blasfêmia! Ó duplo engano! Blasfêmia, porque tanto poder é atribuído ao rei e à igreja sobre nós, como Deus tinha sobre seu povo de outrora. Deus ordenou justamente a seu povo, sob a lei, que descansasse do trabalho em outros dias além do Sabbath, sem prejudicá-los; portanto, o rei e a igreja podem, com a mesma justiça, e com pouco erro, ordenar-nos a descansar da mesma forma, porque Deus, por uma lei cerimonial, impediu seu povo de usar tanta liberdade, como a lei moral lhes deu; portanto, o rei e a igreja também podem fazê-lo. Engano, pois ao dizer que Deus não estragou a liberdade de seu povo e etc. Sabemos que, ao designá-los para descansar naqueles dias, Deus não tirou a liberdade de seu povo, simples e absolutamente, porque eles não tinham mais liberdade do que ele lhes permitiu por suas leis, que ele deu pela mão de Moisés, no entanto, ele tirou aquela liberdade que uma parte de suas leis lhes permitia, a saber, o quarto mandamento da lei moral, que lhes permitia trabalhar seis dias. O bispo sabia que esta questão em mãos não tem a ver com liberdade, na noção geral dela, mas com a liberdade que a lei moral permite. Dizemos, então, que Deus tirou de seu povo Israel parte da liberdade que sua lei moral lhes permitia, porque ele era o Legislador e Senhor da lei; e que o rei e a igreja não podem fazer o mesmo conosco, porque eles não são mais senhores da lei de Deus do que as pessoas que estão sob eles.

Seção 5: Entretanto, ele tem ainda mais a dizer contra nós: “Se o rei (diz ele) pode ordenar a cessação de obras econômicas e privadas, para obras civis e públicas, como a defesa da coroa, a liberdade do país, etc., que razão vocês têm para que ele não possa ordenar um dia de cessação de todo tipo de trabalho corporal, para honra de Deus e exercício da religião?” e etc. Resposta: Este tipo de raciocínio é muito vicioso, por três aspectos: 1) Supõe que aquele que pode ordenar a cessação de um tipo de trabalho, em um dos seis dias, também pode ordenar a cessação de todo tipo de trabalho, mas há uma diferença; pois a lei de Deus nos permitiu trabalhar seis dias por semana, liberdade essa que nenhum poder humano pode tirar de nós. Mas não podemos dizer que a lei de Deus nos permite seis dias de cada semana para obras econômicas e privadas (pois então nunca seríamos obrigados a colocar nossas mãos em uma obra pública), de onde vem que o magistrado tem poder para ele ordenar a cessação de algum trabalho, mas não de todos; 2) O bispo raciocina desde a cessação do trabalho ordinário por trabalho extraordinário, até a cessação do trabalho ordinário por nenhum trabalho, pois aqueles que usam suas armas para a defesa da coroa ou da liberdade do país não cessam de trabalhar, mas apenas transformam o trabalho comum em extraordinário, e o trabalho privado em público, enquanto nossos opositores pedem a cessação de todo trabalho em seus dias santos; 3) Salta de genere in genus [de tipo para gêner], porque o rei pode ordenar a cessação das obras civis, portanto, pode ordenar um santo descanso para o exercício da religião, como se tivesse tanto poder nas coisas sagradas como nas civis.

Seção 6: O bispo tem ainda um terceiro dardo para lançar contra nós: “Se a igreja (diz ele7) tem poder, por motivos ocasionais, para marcar jejuns ou festividades ocasionais, não pode ela, para bênçãos constantes e eternas, que superam infinitamente todos os benefícios ocasionais, designar tempos comuns de comemoração ou ação de graças?” Resposta: Há duas razões pelas quais a igreja pode e deve designar jejuns ou festividades por motivos ocasionais, e nenhuma delas concorda com festividades comuns. 1) Jejuns extraordinários, seja para obter alguma grande bênção ou evitar algum grande julgamento, são meios necessários para serem usados em tais casos, da mesma forma, festividades extraordinárias são testemunhos necessários de nossa gratidão pelos benefícios que impetramos por nossos jejuns extraordinários, mas as festividades comuns, para bênçãos constantes e eternas, não têm uso necessário. A celebração de dias fixos de aniversário não é um meio necessário para conservar a comemoração dos benefícios da redenção, porque temos ocasião, não apenas todos os Sabbaths, mas todos os outros dias, para lembrar esses benefícios, seja ouvindo ou lendo, ou meditando na palavra de Deus. Dies Christo dicatos tollendos existimo judicoque, diz Danaeus8, quotidie nobis in evangelii proedicatione nascitur, circumciditur, moritur, resurgit Christus [Estimo e julgo que os dias consagrados a Cristo devem ser elevados: Cristo nasce, é circuncidado, morre, ressuscita por nós todos os dias na pregação do Evangelho]. Deus deu à sua igreja um preceito geral para jejuns extraordinários (Joel 1.14, 2. 15), como também para festividades extraordinárias para louvar a Deus e dar-lhe graças na assembléia pública de seu povo, pelo motivo ocasional de algum grande benefício que, por meio de nosso jejum e oração, obtivemos (Zacarias 8.19 com 7.3). Se for dito que há uma ordem geral para festividades fixas, porque há uma ordem para pregar e ouvir a palavra, e para louvar a Deus por seus benefícios; e que não há preceito para jejuns particulares mais do que para festividades particulares, eu respondo: Embora haja um mandamento para pregar e ouvir a palavra, e para louvar a Deus por seus benefícios, ainda assim não há mandamento (não, não na generalidade mais geral) para anexar esses exercícios de religião para marcar dias de aniversário mais do que para outros dias; ao passo que é claro que há um comando geral para jejuar e humilhar em alguns momentos mais do que em outros. E quanto às particularidades, todas as causas particulares, ocasiões e tempos de jejum, não poderiam ser determinados nas Escrituras, porque são infinitos, como diz Camero9. Entretanto, todas as causas particulares de festividades fixas, e o número das mesmas, podem ter sido facilmente determinadas nas Escrituras, uma vez que não são, nem podem ser infinitas; pois o próprio bispo reconhece10 que designar um dia de festa para cada semana não pode ficar com a caridade, a companheira inseparável da piedade. E embora tantos fossem permitidos, quem não vê com que facilidade a Escritura poderia tê-los compreendido, porque são tempos fixos, constantes e de aniversário, observados por causas permanentes e contínuas, e não móveis ou mutáveis, como jejuns que são designados para causas que ocorrem e, portanto, podem ser infinitas. Concluo que, uma vez que a palavra de Deus nos deu uma ordem geral para jejuns ocasionais, e também determinou coisas diversas sobre as causas, ocasiões, natureza e maneira dos jejuns, podemos dizer com Cartwright11 que os dias de jejum são designados em “tais tempos, e em tais ocasiões, como as Escrituras estabelecem; em que, porque a igreja nada ordena, mas o que Deus ordena, a observância religiosa deles, recai na obediência do quarto mandamento, bem como do próprio sétimo dia”. 

Seção 7: O bispo12 nos pressiona com um quarto argumento, tirado do chamado das pessoas nas grandes cidades de seus trabalhos comuns para o serviço divino, argumento que Tilen também utiliza13. Resposta: Há uma enorme diferença entre o descanso que é prescrito nas festividades de aniversário e o descanso que é exigido durante o tempo das reuniões semanais para o culto divino. Pois, 1) Nos dias de festa, o descanso do trabalho é exigido durante todo o dia, enquanto, nos dias de reuniões ordinárias e semanais, o descanso é exigido apenas durante o culto público; 2) A cessação do trabalho, para orações ou pregações nos dias designados da semana, em algumas ocasiões pode ser omitida; mas o descanso e a comemoração designados pela igreja, a serem observados precisamente nos dias da festa do aniversário, não devem ser omitidos, segundo o juízo do bispo14; 3) Os homens são estritamente ordenados e obrigados a descansar do trabalho nos dias santos; mas deixar o trabalho para ir às reuniões semanais ordinárias, eles são apenas exortados. E aqui noto como o bispo se contradiz; pois em um lugar onde seu antagonista sustenta verdadeiramente que o artífice não pode ser legalmente ordenado nem compelido a deixar seu trabalho e ir ao serviço divino público, exceto no dia em que o Senhor santificou, ele responde15: “Se ele pode ser legalmente ordenado a cessar seu trabalho durante o tempo do serviço divino, ele pode ser legalmente obrigado a obedecer ao comando”. Quem pode dar algum sentido a essas palavras ou ver algo nelas dito contra a posição de seu antagonista, exceto que ele diz que o artesão pode ser ordenado e compelido a deixar seu trabalho e ir ao serviço divino nos dias da semana designados para o mesmo? Ainda mais, ele se esforça para provar isso a partir do nono capítulo do Primeiro Livro de Disciplina que diz: “Nas grandes cidades, achamos conveniente que todos os dias haja sermão ou orações comuns”, etc., onde não há nada de compulsão ou um comando forçado, só há uma exortação. Contudo, antes que o bispo tenha falado muito, ele se esquece de si mesmo e nos diz16 que era contra a equidade e a caridade obrigar o lavrador a deixar seu arado tão frequentemente quanto os dias de pregação semanal retornam, mas que, no dias de festa, a razão seria que, se ele não deixasse seu arado voluntariamente, pela autoridade ele deveria ser forçado. Esse lugar confirma essa diferença que damos entre descanso nos dias santos e descanso nos horários das reuniões semanais.

  1. Eccl. pol. lib. 5. n. 71. ↩︎
  2. Paraes. ad Scot. c. 16. pag. 64. ↩︎
  3. comm in illum locum ↩︎
  4. pralect. in eundem locum ↩︎
  5. Proc. in Perth. As∣semb. part. 3. pag. 13. ↩︎
  6. ubi supra ↩︎
  7.  ibid. pag. 26. 27. ↩︎
  8. apud …ald. de cas∣consc. lib. 2. c. 13. cas. 1. ↩︎
  9. pr…l. tom▪ 1. de pot. Eccl. contr. 2. ↩︎
  10. ubi supra pag. 16. ↩︎
  11. ag. the Rhem. an∣not. on Gal. 4. 10 ↩︎
  12. ubi supra pag. 16. 17 ↩︎
  13. Par•…n ad Scot. c. 16. pag. 64. ↩︎
  14.  ubi supra pag. 25 ↩︎
  15.  ibid. pag. 17. ↩︎
  16.  ibid. pag. 27. ↩︎

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