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Sermão em 1 Timóteo 1.1-2 – João Calvino

Não devemos pensar que esta Epístola foi escrita por São Paulo para apenas um homem, mas é para toda a Igreja, como podemos perceber pelo seu conteúdo. Pois Timóteo não precisava ouvir muitas das coisas que São Paulo diz aqui. Paulo fala pensando também nos outros, e não apenas em Timóteo. E certamente, isso pode ser facilmente compreendido, mesmo à primeira vista, no sentido de que São Paulo dá a si mesmo o título de Apóstolo e confirma sua vocação para eles, o que não lhe teriam dado e cedido essa autoridade, se ele não se desse a conhecer a sua pessoa. Mas quando escreve às Igrejas, que já o conheciam muito bem, faz apenas uma breve menção a esta palavra Apóstolo, ou apenas se autodenomina servo de Deus. Aqui ele mostra que não confia em si mesmo, em sua própria cabeça, mas que foi nomeado por DEUS, e que o encargo lhe foi confiado por nosso Senhor Jesus Cristo. E com que propósito ele faz isso, a menos que esteja escrevendo pensando em outros além de Timóteo? Então vemos que esta epístola foi dirigida de tal maneira a um homem, que também é dirigida a todos os homens, e que deveria beneficiar todos os filhos de Deus. Como veremos mais detalhadamente, o objetivo de Paulo era edificar todos aqueles a cujas mãos esta Epístola pudesse chegar. E, de fato, ele mostra aqui qual é a verdadeira ordem da Igreja, como a palavra de Deus deve ser tratada e a que uso deve ser aplicada. Ele mostra qual é o dever de cada homem. Com isto vemos que (esta carta) não se refere apenas a um homem, mas que todos os homens devem dar-lhe ouvidos diligentes, porque Deus pretendia dirigir esta doutrina pela boca de São Paulo à sua Igreja.

Mas vejamos agora como São Paulo inicia o seu prefácio. Ele diz: “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, segundo o mandado que lhe foi dada por DEUS, nosso Salvador, e pelo Senhor Jesus Cristo, nossa esperança”. Mostramos antes, quando lidamos com Tessalonicenses 2:13, como São Paulo mostra por seu próprio exemplo que nenhum homem deve ser ouvido na Igreja de Deus a menos que seja enviado: pois nossa fé não deve depender de homens mortais, nem de criaturas. Ninguém tem soberania e governo sobre nossas almas, exceto somente Deus, e quanto a toda a doutrina de nossa salvação, não podemos recebê-la de ninguém, exceto dEle. Contudo, ele não desce do céu em forma visível para falar conosco, nem nos envia seus anjos, mas deseja que sejamos ensinados por meio de homens. E, portanto, se quisermos mostrar nossa obediência a DEUS, devemos receber sua palavra que nos é pregada por aqueles a quem ele deu este encargo e cargo: pois aqueles que se vangloriam e se gabam, dizendo que querem servir DEUS, e enquanto isso desprezam sua palavra porque ela lhes é trazida pela boca dos homens, eles mostram bem que não há nada além de hipocrisia neles. E, de fato, visto que vemos que Deus quer que sua Igreja seja governada pela pregação do Evangelho, e quer que os homens sejam seus ministros, não cabe ao homem raciocinar e se levantar contra isso. Mas tanto os grandes como os pequenos devem seguir esta regra que lhes foi dada e que permanecerá em vigor até ao fim do mundo.

E, no entanto, São Paulo chama-se apóstolo antes de tudo para nos deixar claro que não devemos ouvir qualquer homem, a menos que tenham boa garantia de que falam em nome de Deus e em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Além disso, ele mostra também que se quisermos prestar louvor a Deus, se quisermos ser seus súditos, devemos receber a sua palavra quando ela nos for pregada pela boca dos homens que Ele enviou.

No entanto, ele não diz apenas que é um apóstolo, mas um apóstolo de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele faz isso, sem dúvida, porque somente Cristo foi designado por Deus, o Pai, para ser nosso Mestre soberano. Portanto, todos os que atuam no ofício de ensino devem falar em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, pois dele foi dito: “Escutai-o” (Mateus 17:6) Quando se ouviu esta voz do céu, que queria que ouvíssemos Jesus Cristo, foi para tapar a boca de todas as criaturas, para que nenhum homem fosse tão tolo a ponto de apresentar algo que fosse forjado e moldado em seu próprio cérebro, e para que nenhum homem assuma ser um mestre ou professor – pois isso pertence apenas ao Filho de Deus.

O que resta então? Para que todos os que ensinam possam verdadeiramente afirmar que Jesus Cristo fala pela sua boca, como diz São Paulo também em outro lugar: Procurais provas daquele que fala em mim,a saber, Jesus Cristo? (2 Coríntios 13:3) Eis então por que ele declara, nomeadamente e expressamente, que é um apóstolo de Jesus Cristo, isto é, enviado por ele, tendo a comissão de falar, por assim dizer, em sua própria pessoa, e diz ainda que isso é feito por a ordenança de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo. Ao dizer isto, ele quer que entendamos que não convém aos homens confiar na carne, como também é dito na epístola aos Hebreus (5,4-5): que nenhum homem deve assumir essa honra. Somente aquele que é chamado por Deus pode dizer que tem uma vocação legítima. E, de fato, o próprio Jesus Cristo, que é o dono da casa e cabeça de todos, foi nomeado por Deus, seu Pai, com um juramento solene, como vemos nos Salmos (Sl. 110). O que diremos então daqueles que estão muito abaixo dele e não têm autoridade senão aquela que ele lhes dá?

Agora, São Paulo pode dizer que foi nomeado apóstolo por ordenação de Deus porque foi milagrosamente chamado do céu – mas não é assim com todos. E então? Para que nada fosse feito de maneira confusa, mas com boa e devida ordem em sua Igreja, Deus tomou esse caminho e deu encargo e comissão àqueles a quem ele usaria para cumprir sua palavra, isto é, que deveriam ser escolhido e permitido. Portanto, sempre que esta ordem for mantida, como os apóstolos a estabeleceram para nós, eis um chamado legítimo e como Deus será reconhecido, como foi por Paulo. Quanto a São Paulo e os outros Apóstolos terem sido ordenados de forma única, esta foi a razão disso: porque foram enviados para colocar Jesus Cristo na posse do seu reino. Mas depois que esse fundamento foi lançado, era a vontade de Deus que aqueles que pregam o seu Evangelho fossem escolhidos e autorizados. E ele deseja que nos contentemos com isso, como as Escrituras nos deixam claro em outros lugares (Atos 1:13 e 13:1).

Portanto, devemos procurar duas coisas naqueles que pregam a palavra de Deus e são chamados pelo nome de “Pastores”: a primeira é que sejam escolhidos de acordo com a maneira que Deus permite, conforme nos estabelecemos em sua palavra. Pois essa lei não pode ser quebrada ou alterada. E a segunda é que cumpram fielmente o seu dever, o que farão se se apegarem à pura doutrina do Evangelho, e não se apoiarem em seus próprios esforços, mas buscarem apenas o avanço do nome de nosso Senhor Jesus Cristo, e para que ele seja aquilo que Deus seu Pai o fez, isto é (como já mostramos), o soberano e único mestre.

Eis as duas coisas que são exigidas de todos os pastores, que serão considerados ministros da palavra de Deus: que sejam chamados, digo, de acordo com a ordem da Igreja, e que cumpram fielmente o seu dever, esforçando-se e trabalhando para cumprir seu encargo de tal maneira, que Jesus Cristo sempre reine, e tenha esta soberania e honra, que os homens o ouçam, e toda obediência seja dada a ele. E é por isso que se diz que a Igreja deve permanecer sempre casta para com o seu cônjuge. (1 Cor. 11:2; Efé. 5:27). Quando Jesus Cristo chama pelo seu próprio nome aqueles que pretende usar no seu serviço, eles não devem, portanto, usurpar o seu lugar e a sua dignidade; pois é tudo a mesma coisa, como se um homem apresentasse sua esposa ao amigo e ele fosse o primeiro a torná-la lasciva. Se então, a qualquer momento, aqueles que têm a incumbência de pregar a palavra de Deus, transgredirem os seus próprios deveres, o que mais é, senão fazer a Igreja quebrar a sua fé, que ela deve ao seu marido, isto é, para o filho de Deus? Pois eis também onde São Paulo mostra que a castidade da Igreja consiste em não se afastar da simplicidade do Evangelho (2 Cor 11,3); pois assim que ouvimos e damos ouvidos a doutrinas estranhas, somos como uma mulher que dá ouvidos a um homem lascivo que procura apenas contaminá-la. Portanto, observemos bem que os homens não têm a comissão de governar a Igreja de Deus se isso diminuir a dignidade e a honra de Jesus Cristo ou se o seu nome for prejudicado de alguma forma. Em vez disso, os homens deveriam governar a Igreja desta forma: deveriam conformar-se à obediência daquele que é o único mestre, grande ou pequeno. E eles devem apegar-se à palavra que ele trouxe em nome de Deus, seu Pai. Na verdade, todos devemos obedecer com humildade e reverência à doutrina que nos é pregada pelos homens. Mas se não levarmos isso em consideração, não estaremos ofendendo os homens que falam isso, mas antes mostraremos uma rebelião aberta e clara contra Deus e contra seu único filho.

A seguir, devemos observar os títulos que São Paulo dá aqui tanto a Deus como a nosso Senhor Jesus Cristo. Deus, nosso Salvador, e Jesus Cristo, nossa esperança. É verdade que esta palavra salvador é frequentemente dada nas Escrituras ao filho de Deus porque foi ele quem cumpriu e levou a um fim perfeito o que era necessário para a nossa salvação. Ele derramou seu sangue para que fôssemos lavados e limpos de nossa sujeira e repugnância. Ele removeu a maldição que estava sobre nós. Ele nos libertou e nos libertou da escravidão da morte. Ele colocou totalmente o pecado em fuga. Vemos então que devemos buscar a nossa salvação em nosso Senhor Jesus Cristo, e que é por uma boa razão que ele é chamado de nosso salvador.

No entanto, não foi sem motivo que neste versículo São Paulo dá este título a Deus Pai. Considere de onde Jesus veio quando veio até nós. Ele foi enviado por Deus Pai, pois assim testemunham as Escrituras: “Deus amou o mundo de tal maneira que não poupou seu filho unigênito, mas o entregou à morte por nós”. (João 3:16; 1 João 4:9) Portanto, quando contemplamos nossa salvação na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, devemos também olhar para a própria cabeça e fonte de onde ele veio até nós, isto é, de este amor que Deus tinha pela humanidade. E esta é a razão pela qual São Paulo chama Deus de Nosso Salvador. Ele está nos dizendo, com esta palavra, que sempre que pensarmos na benção que Jesus

Cristo nos trouxe e que recebemos por meio dele, devemos elevar nossos corações mais alto e saber que Deus, tendo piedade do estado perdido de todo o rebanho de Adão proveu para nós e nos deu este remédio, ou seja, nosso Salvador Jesus Cristo, que veio para nos tirar do abismo da morte.

É claro que Jesus Cristo também é chamado de nossa esperança, por isso podemos saber que somente ele é a nossa força motriz, e somente nele podemos descansar. Pois de que outra forma poderíamos nos apegar à salvação que Deus nos deu, se não fôssemos um com ele por meio de nosso Senhor Jesus Cristo? Quando contemplamos a majestade de Deus, não pode ficamos parados, mas devemos tremer e estremecer.

E foi isso que fez com que os papistas procurassem tantos patronos e defensores, tantos caminhos, tantas ninharias nuas e miseráveis, sem outro fim e propósito senão levá-los a alguma certeza de sua salvação. Mas eles nunca conseguiram chegar a qualquer paz com isso; pois se um homem uma vez se desviar de Jesus Cristo, ele não poderá deixar de ficar cheio de dúvidas, emaranhado nas sarças. Os homens podem balançar-se para dormir por um período, mas por fim serão forçados a confessar e reconhecer que foram abusados por suas vãs imaginações. Os papistas não sabem o que São Paulo está nos ensinando aqui: que Jesus Cristo é a nossa esperança e (embora já tenham sido instruídos neste ponto) que Deus é o Salvador do mundo.

No entanto, eles não deixam de ser jogados para cima e para baixo aqui e ali, à medida que vemos como eles são levados e obrigados a dizer que devemos fazer uma determinada coisa e que devemos ter certos meios e que devemos nos apegar a tais meios, nós deve ter tal patrono e defensor para adquirir o favor de Deus. Veja em que caso estão esses pobres urubus cegos. E assim aprendamos que se quisermos uma boa segurança, se quisermos que as nossas almas estejam em paz e descanso, devemos procurar tanto o início como o fim da nossa salvação em nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos nos basear totalmente nisso, para que estejamos assim persuadidos de que Ele não apenas veio para nos dar um gostinho da vida eterna, mas que ele nos trouxe toda a plenitude e toda a perfeição de bem-aventurança, a fim de que nele somente nós poderíamos ficar satisfeitos e ter nossa fome saciada e nossa sede saciada.

Portanto, sigamos aquilo que o filho de Deus aqui ordenou para nós, e não vaguemos de um lado para outro conforme nossas próprias fantasias. Pois nos foi mostrado aqui um caminho que nunca nos enganará; vamos nos manter nisso. Simplificando, São Paulo nos mostra aqui que a causa principal da nossa salvação é a boa vontade de Deus e o amor paterno que Deus nos deu, sem qualquer mérito próprio, pois a própria substância e medula se encontra em nosso Senhor Jesus Cristo.

Deus nos amou? Sim! E esta é a base principal da nossa salvação. Mas como Deus nos amou enquanto ainda éramos pecadores? Ele certamente odeia o mal que está em nós e não pode suportá-lo. Somos estranhos a Deus e, portanto, banidos e excluídos da vida eterna; além do mais, estamos entregues à morte e somos amaldiçoados. Mas não é verdade que temos esta lavagem do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo para nos absolver diante de Deus pelo sacrifício que ele ofereceu? O pecado não foi eliminado de nós pela justiça que ele comprou para nós? Oh, veja como a substância da nossa salvação está nele. E, portanto, é para lá que devemos olhar; é aí que devemos concentrar os nossos pensamentos; e é aí, principalmente, e em nenhum outro lugar, que devemos ter todo o nosso descanso e buscar toda a nossa paz. Do que fala São Paulo, dizendo que “temos paz com Deus” (Romanos 5:1), visto que somos justificados pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo.

Vemos então agora que doutrinas podemos colher destes títulos que São Paulo dá aqui a Deus Pai e a nosso Senhor Jesus Cristo. Agora devemos juntar a isso o que se segue: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo. Isto é para nos expor melhor o que já mencionamos. Pois assim como São Paulo chamou Deus de nosso salvador e Jesus Cristo de nossa esperança, assim é seu significado que tudo o que pertence a uma alegria plena e perfeita nos é dado por eles conjuntamente. Pois se separarmos Deus de Jesus Cristo, não poderemos ter acesso a ele, porque a sua majestade é muito elevada. Estamos aqui, por assim dizer, no abismo da morte. Aqui estamos precisando deste meio de nos unir e

nos unir na pessoa de Jesus Cristo, ou então Deus nunca poderá ser misericordioso conosco, nunca poderemos invocá-lo, nem procurar qualquer bem em suas mãos, até que nosso Senhor Jesus Cristo aparece-nos e ali se coloca para nos levar a Deus, seu Pai, e se aproxima de nós, garantindo-nos que Deus estará perto de nós em sua pessoa.

Mas antes de prosseguirmos, consideremos estas três palavras: graça, misericórdia e paz. Já consideramos dois deles, graça e paz. Dissemos brevemente que a sua palavra “graça” sugere que Deus nos ama e se mostra misericordioso conosco. A palavra “paz” sugere geralmente toda prosperidade. Com isso devemos entender que somos miseráveis até que Deus seja um conosco e até que ele nos receba em seu amor. Na verdade, mesmo que tivéssemos tudo o que é possível desejar e o mundo nos considerasse tão abençoados quanto possível, e tivéssemos tudo para nos alegrar e bater palmas – ainda assim seríamos sempre infelizes até que pudéssemos tenha certeza de que Deus nos ama e que nos recebe e nos toma por seus filhos. E por que isso acontece? Pois todos esses benefícios que desfrutamos neste mundo se tornariam uma maldição e nos custariam caro, até que Deus nos recebesse em seu amor.

Contudo, somos amados por Deus? Estamos fundamentados e firmados em sua graça? Ele nos enviará o que achar certo. Considere como ele perseguiu aqueles a quem rejeitou. Embora ele tenha permitido que desfrutassem dos bens de acordo com este mundo, ainda assim eles não os desfrutam verdadeiramente porque estão sempre em apuros. Contudo, ele enviará aos seus filhos o que sabe ser melhor para eles, e se eles tiverem alguma carência ou necessidade, ele os confortará para que possam se alegrar em meio às suas misérias. São Paulo disse que quando temos esta certeza do amor de Deus, quando as nossas almas descansam nele, podemos nos alegrar não só pela esperança que ele nos dá da vida eterna, mas também nesta vida presente, porque sabemos que ele nos ama. Embora estejamos aflitos, ainda assim nos regozijamos porque sabemos que ele usará tudo isso para nossa salvação. Sabemos disso porque ele já nos deu a garantia de que está cuidando de nós. Na verdade, as misérias servirão aos filhos de Deus, e assim eles poderão se alegrar com elas. Assim vemos como a graça de Deus é o começo de toda bondade e felicidade. Não é sem motivo que São Paulo os une. E assim também somos ensinados a não colocar a carroça na frente dos bois quando pedimos a Deus o que é bom para nós. Mas observe a ordem que devemos manter: que antes de tudo agradaria a Deus receber-nos em sua graça e depois nos enviar aquelas coisas que são proveitosas e necessárias para nós. Na verdade, a nossa natureza irá sempre seguir o caminho oposto, assim como um homem doente será mais atormentado pela sua dor do que pela causa da sua doença. Da mesma forma, quando oramos a Deus, queremos que ele nos dê pão para comer e tudo o que for necessário para nós: se estivermos doentes, que ele nos cure; se nos faltar alguma coisa, ele nos enviará. Observe como retrocedemos quando oramos a Deus. Esquecemos o que é mais importante, ou seja, o seu amor e a sua graça, e nos concentramos em coisas mais básicas que são de menor importância. Um desejará ser rico, outro desejará tudo o que sua luxúria o levar. Basicamente, estamos tão atrasados em nossos desejos que não sabemos o que é bom para nós. Por esta razão, sigamos esta regra aqui estabelecida: que quando invocamos a Deus, ansiamos por ele especialmente e acima de todas as coisas, para que ele possa ser misericordioso conosco e perdoar nossos pecados e nos levar para si. ; e depois para nos governar e nos dirigir em nossos caminhos. Verdadeiramente, o seu Espírito Santo deve guiar-nos e governar-nos se quisermos orar-lhe corretamente, como nos mostra São Paulo. No entanto, não devemos desprezar esta ordem aqui estabelecida.

Quanto à “misericórdia”, São Paulo não a utiliza em todas as outras epístolas. Então, por que outro motivo ele usou isso aqui, exceto porque derramou seu coração mais abundantemente neste lugar do que em outros? No entanto, é assim que esta palavra, “misericórdia”, nada mais contém do que uma exposição clara e evidente do que a palavra “graça” significava, porque a misericórdia de Deus é a razão pela qual ele nos ama. E por que isso acontece? O que mais Deus pode encontrar em nós senão miséria? Se ele nos amasse pelo nosso valor, teríamos que ser diferentes do que somos. Pois bem, que isto fique bem marcado, quando Deus nos recebe no seu amor, não há nada que o mova a isso, a não ser o nosso estado miserável. Na verdade, a misericórdia, a piedade e a compaixão de Deus por nós mostram que existe de nossa parte uma miséria e uma miséria digna de pena. Uns demonstram os outros. Então, queremos que ele nos ame? Então devemos começar sentindo como somos criaturas miseráveis, e que somos náufragos e condenados. Qualquer um que esperasse a salvação, mas não experimentasse nem sentisse sua miséria, é como um homem que espera saltar acima das nuvens.

Aprendamos o caminho para chegar a esta graça de Deus, ou seja, ficarmos horrorizados com a nossa miséria, e ficarmos envergonhados e abatidos dentro de nós mesmos, uma vez que não há nada em nós senão todo o mal e maldade. Então voemos para aquela misericórdia e piedade infinitas pelas quais Deus é movido a nos amar, embora sejamos muito indignos. Observe por que São Paulo acrescenta esta palavra misericórdia neste lugar. É verdade, como dissemos, que a graça vem da misericórdia. No entanto, é maravilhoso que São Paulo o coloque em segundo lugar. E por que isso? Para mostrar que não podemos ser aceitáveis e agradáveis a Deus, a menos que seja porque ele é misericordioso conosco. Como ele diz em outro lugar: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus nosso Pai estejam convosco”. (2 Cor. 13:14) Verdadeiramente, o amor de Deus está em primeiro lugar, como já dissemos, que só temos salvação porque Jesus Cristo nos foi enviado por Deus, seu Pai. Mas Paulo, tendo falado da graça que nos foi manifestada abertamente, e da qual Deus nos tornou participantes diários na pessoa de seu filho pelo Evangelho, mostra que ela vem a nós porque lhe agradou amar-nos de sua parte por própria bondade gratuita. Voltemos agora ao que diz

São Paulo a seguir. Ele chama Timóteo de seu filho natural na fé. Pode parecer estranho à primeira vista que um homem possa ser chamado de pai espiritual, já que nosso Senhor Jesus Cristo proibiu isso, dizendo: “Não deveis ter pais na terra, porque não há outro pai além daquele que está nos céus, que adia isso. honra.” (Mat. 23:9) Mas assim como Deus, sendo Pai tanto das almas como dos corpos, dá esta honra aos homens mortais, que os torna participantes do seu nome, para serem chamados pais. Da mesma forma, quando lhe agrada enviar homens para nos levar à fé, eles são nossos pais espirituais. Na verdade, isso parece discordar do que é dito na epístola aos Hebreus. (Hebreus 12:9) Pois há uma comparação feita entre os pais carnais e o Pai de nossas almas, (que é apenas um), como se fossem coisas uma contrária à outra: mas tudo isso concordará muito bem se uma vez compreender como Deus é nosso Pai e como os homens também o são. Este nome “Pai” é tão honroso que não pertence a ninguém, exceto a Deus. Isto é verdade em relação aos nossos corpos. E, portanto, quando dizemos que aqueles que nos geraram segundo a carne são nossos pais, é um tipo de discurso impróprio, pois nenhuma criatura mortal tem esta dignidade tão elevada e excelente. No entanto, é assim que Deus, por sua bondade singular, leva os homens a um degrau tão alto que deseja que sejam chamados de pais. E ele faz isso para que eles se reconheçam muito mais ligados a ele. Bem, há uma grande dúvida quanto à vida presente, mas chame aqueles que geraram filhos de pais segundo a carne. Mas parece que Deus é o único Pai das almas, de tal forma que não pode ser dado aos homens. No entanto, a razão é a mesma. Por que? É verdade que só Deus nos gera pela sua palavra, que é chamada “a semente da vida”, mas, no entanto, ele chama a Igreja de “nossa mãe”. Pois assim como uma mãe concebe e dá à luz seus filhos e os nutre, assim Deus, tendo sempre sua palavra em sua Igreja, deseja que tenhamos nosso ser, e sejamos gerados por ela, e nutridos e criados com ela, até que cheguemos à idade de um homem maduro, como diz São Paulo. (Efésios 4:13) Observe, então, que a Igreja é chamada de nossa mãe celestial, e as Escrituras estão repletas disso. E Paulo declarando o que foi dito aos Profetas, mostra que somos feitos filhos de Deus pela palavra do Evangelho, que é semente de vida. Por esta razão a Igreja é chamada nossa mãe (Gál. 4). Agora, pela mesma razão, aqueles a quem é dado o encargo de levar o Evangelho são chamados pais quando geram almas em Jesus Cristo pela semente da vida que não corrompe , e que os nutre e os educa até atingirem a maturidade. Como somos feitos filhos de Deus? Certamente pela palavra do Evangelho. E quem nos traz essa palavra, senão os homens? Então, visto que os homens são enviados por Deus, que os traz, por assim dizer, ao seu lugar para ganhar os homens para a salvação, e com a palavra, acrescenta também os sacramentos, marca como se fosse um novo nascimento. E Deus mostra com isso que, embora tenhamos nascido filhos de Adão e permaneçamos em sua maldição enquanto vivermos para o mundo, ainda assim essa maldição é removida de nós por meio de sua livre adoção. Portanto, uma vez que os homens são colocados em nome de Deus e, por meio deles, as almas são chamadas à vida eterna, não é de surpreender que também sejam chamados de pais. E é por isso que São Paulo não hesita em chamar-se pai, tanto aqui como nas suas outras Epístolas, especialmente aos Coríntios. (1 Cor. 4:14; Gál. 4:19). Ele não faz isso para promover e tirar qualquer coisa de Deus, ou para desconsiderar os direitos que pertencem apenas a Deus. Pelo contrário, São Paulo expõe poderosamente a graça de Deus, que gerou os crentes pelos seus próprios meios. Para resumir, São Paulo não está tentando ofuscar a glória de Deus ou tentando reivindicar para si qualquer coisa que lhe pertença (pois isso seria um sacrilégio detestável), mas sim, para que Deus fosse reconhecido como um Pai soberano, Paulo mostra que os crentes foram atraídos para a vida eterna por meio da pregação de Paulo. É como se Paulo dissesse: “Meus amigos, temos um só Pai de todos, tanto para vocês como para mim. Foi ele quem nos renovou pela sua virtude, é ele quem nos mantém. Contudo, a semente da vida incorruptível está em nós, pois recebemos pela fé a doutrina do Evangelho. E agradou a Deus me usar para fazer isso. Portanto, sou o vosso pai espiritual, não no lugar de Deus, não para tirar a dignidade que lhe pertence, mas antes sob ele, por assim dizer, levando a sua palavra que ele me confiou”.

É por tudo isso que São Paulo se autodenomina Pai dos fiéis. A partir disso somos instruídos que, se quisermos que Deus nos reconheça e nos tome como seus filhos, devemos também ser filhos da Igreja, e não fazer como estes desviados e estes rebeldes, que querem acreditar que a cristandade é apenas uma fantasia, cuja imaginação é realmente diabólica. Eles dirão: “Mas quanto a mim, sou cristão, acredito no Evangelho”. No entanto, eles deixaram de lado a ordem da Igreja. Eles não querem estar sob jugo. Eles se opõem àqueles que receberam a incumbência de pregar em nome de Deus. Em vez de se oporem a esses homens, deveriam considerá-los como pais (se não fossem filhos do diabo). No entanto, eles são atrevidos e além de qualquer vergonha, dispostos a profanar a Igreja de Deus. Seus poros, por que simplesmente não permanece em sua sujeira e infecção para não infectar outras pessoas?

Portanto, se quisermos ser conhecidos como filhos de Deus, a Igreja deve ser a nossa mãe e os ministros devem ser os nossos pais. E todos aqueles que não se submeterem a isso, deixem-nos ir (como eu disse) e busquem sua morada no inferno com Satanás. Pois eles não fazem parte da Igreja de Deus. Além disso, como existem esses tipos que agem como se fossem crentes e fingem ser reformados pelo Evangelho, mas não têm nada além de hipocrisia, é por isso que São Paulo chama Timóteo de seu filho natural na fé. Paulo acrescenta isto para mostrar a diferença entre Timóteo e aqueles que são filhos ilegítimos na fé. Pois a palavra que São Paulo usa aqui é difícil de traduzir. Refere-se a um filho natural no sentido de um filho legítimo, legal e verdadeiro. Então isso significa que Paulo teve filhos falsos na fé? Sem dúvida, sim. Não que houvesse qualquer falha da parte de Paulo nisso, mas porque muitos, por meio de suas palavras, deram uma demonstração externa convincente de ter recebido o Evangelho, mas depois não havia nada para ser visto neles além de malícia e hipocrisia. Paulo nega que estes sejam seus filhos e afirma que são filhos falsos e ilegítimos. Aprendamos, portanto, que não é suficiente que tenhamos sido instruídos no Evangelho, e que tenhamos feito profissão para cumpri-lo, e que tenhamos ouvido da boca dos homens o que Deus nos ordenou. Devemos permanecer verdadeiros filhos e ter cuidado para seguirmos sempre o caminho certo, sem nos desviarmos nem um pouco. Pois assim que um homem começa a desviar-se do rumo e a sair da linha reta, isso inevitavelmente o levará a se tornar um filho ilegítimo, embora ele já tivesse estado entre os filhos de Deus e tivesse se exaltado a esta honra inestimável.

Paulo está usando a pessoa de Timóteo para nos instruir que, se recebemos o Evangelho, devemos continuar nele, para que a boa semente que foi plantada em nós continue a crescer e a dar frutos, em vez de se tornar inútil e estragada. . E quando será isso? Quando Deus nos tira deste mundo e nos permite experimentar o fruto e a alegria da nossa redenção no seu reino celestial.

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