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Sermão em Hebreus 13.13 – João Calvino (1509 – 1564)

Contendo uma exortação sobre sofrer perseguições para seguir a Cristo e seu evangelho, numa passagem que se encontra no capítulo treze de Hebreus:

Saiamos, pois ao seu encontro fora do campo, levando a sua desonra.” (Hebreus 13.13)

Nenhuma quantidade de exortação para perseverar pacientemente por causa do nome de Jesus Cristo e pela causa do evangelho terá valor se não estivermos confiantes na causa pela qual travamos a guerra. Pois, quando se trata de uma questão de vida ou morte, devemos estar resolvidos e seguros da causa. E tal firmeza não é possível em nós, a menos que esteja fundamentada na certeza da fé. Certamente, haverá alguns que se arriscarão tolamente em direção a morte para apoiar tais opiniões e sonhos tolos que evocam nas suas próprias cabeças. No entanto, tal impetuosidade merece ser considerada mais uma loucura do que zelo cristão. Nem, de fato, as pessoas que se lançam assim estupidamente são possuidoras de firmeza ou bom senso.

Em todo caso, é apenas a boa causa que faz Deus reconhecer que somos seus mártires; pois a morte é comum a todos, e os filhos de Deus estão destinados à mesma ignomínia e provações que os ímpios; mas Deus os discerne, porque não pode negar a sua verdade.

Agora é essencial que nós, da nossa parte, tenhamos um testemunho seguro e infalível da doutrina que defendemos. Portanto, como eu disse, não podemos ser movidos nem tocados com bons resultados, não importa o quanto sejamos exortados a suportar perseguições por causa do evangelho, a menos que tenhamos uma garantia genuína de fé escrita em nossos corações. Arriscar a vida de forma imprudente simplesmente não é natural. Se o fizéssemos, seria apenas temeridade e não virtude cristã. Finalmente, Deus não aprovará nada que façamos, a menos que estejamos bastante convencidos de que é por Ele e pela sua causa que estamos perturbados e que o mundo é nosso inimigo.

Agora, quando falo de tal segurança, não quero dizer apenas que devemos saber como discernir a verdadeira religião dos abusos e loucuras dos homens. Devemos também estar bastante convencidos da vida celestial e da coroa que nos foi prometida no alto, depois de termos guerreado aqui embaixo. Observe, entretanto, que ambos os pontos são essenciais e que um não pode separar um do outro. Cabe-nos, portanto, começar com este objetivo: devemos ter uma boa compreensão do nosso cristianismo, da fé que devemos manter e obedecer, e da regra de vida que Deus nos deu; devemos estar tão bem armados com este ensino, que possamos condenar corajosamente todas as falsidades, erros e superstições que Satanás introduziu para corromper a pura simplicidade do ensino de Deus.

Portanto, não devemos nos surpreender por não vermos hoje pessoas inclinadas a sofrer pelo evangelho ou que a maioria das pessoas que se autodenominam cristãs nem sequer sabem o que significa ser cristão. Pois todos elas são bastante indiferentes e não estão preocupadas nem em ouvir nem em ler [a palavra de Deus]. Pelo contrário, contentam-se por terem experimentado a fé cristã. É por isso que há pouco para mantê-los firmes e, se forem atacados, ficam imediatamente perdidos. Isto deveria incitar-nos a investigar mais diligentemente a verdade de Deus, a fim de termos mais certeza dela.

No entanto, ser bem instruído ainda não é tudo. Vemos pessoas que parecem quase perfeitas quanto à sã doutrina, mas que, no entanto, são bastante desprovidas de zelo e afeição, como se nunca tivessem conhecido nada de Deus, exceto alguma fantasia passageira. E por que é assim? Somente porque eles nunca compreenderam a majestade das Sagradas Escrituras. E, de fato, se nós, na nossa condição atual, considerássemos devidamente que é Deus quem está falando conosco, é certo que seríamos ouvintes muito mais atentos e reverentes. Se considerássemos que ao ler as Escrituras estamos na escola dos anjos, teríamos um cuidado e um desejo bem diferentes de nos aplicarmos ao ensino que nos é apresentado.

Vemos agora o método para nos prepararmos para perseverar pelo evangelho, a saber, ter avançado o suficiente na escola de Deus para sermos resolutos quanto à verdadeira religião e ensino que devemos seguir, para que possamos desdenhar todas as armadilhas e truques de Satanás e todas as invenções humanas, como coisas não apenas frívolas, mas também amaldiçoadas, uma vez que corrompem a pureza cristã. Nisto diferiríamos, como verdadeiros mártires de Jesus Cristo, dos miseráveis que sofrem por suas próprias opiniões tolas.

Em segundo lugar, tendo a certeza da boa causa, devemos estar entusiasmados, como é certo, para seguir a Deus onde quer que Ele nos chame; sua palavra deve ter sobre nós a autoridade que merece e, tendo abandonado este mundo, devemos ser possuídos pela busca pela vida no céu.

É mais do que estranho que, embora a luz de Deus brilhe tão plenamente hoje como sempre brilhou, ainda assim haja tão pouco zelo que é uma vergonha gritante. Se não ficamos afetados com tal constrangimento, é ainda pior; pois de fato teremos que comparecer em breve diante do grande Juiz, onde o mal que tentamos ocultar será apresentado com tais reprovações que haverá muitas para nos esmagar completamente. Pois, se somos obrigados a dar testemunho de Deus de acordo com a medida do entendimento que Ele nos deu, por que é que, pergunto-vos, somos tão frios e temerosos de entrar na luta, visto que Deus é tão grandemente manifestado nestes tempos que se pode dizer que Ele abriu e mostrou diante de nós os grandes tesouros de seus segredos? Não devemos dizer que não levamos em conta o fato de que é com Deus que temos que lidar? Pois, se tivéssemos alguma consideração por sua majestade, não ousaríamos transformar a doutrina que sai de sua boca em não sei que tipo de filosofia ou especulação.

Em suma, não há desculpa para não ser um grande constrangimento para nós, na verdade, uma horrível condenação, ter tal conhecimento da verdade de Deus e ter tido tão pouca coragem para mantê-lo. Especialmente quando consideramos os mártires do passado, devemos realmente detestar o mau caráter que existe em nós. A maioria deles, na verdade, não eram pessoas muito treinadas nas Sagradas Escrituras, de modo que soubessem debater sobre qualquer assunto. Eles sabiam que havia um só Deus, a quem se devia adorar e servir. Eles sabiam que tinham sido redimidos pelo sangue de Jesus Cristo, de modo que depositavam total confiança nele e na sua graça para a sua salvação. Eles também sabiam que tudo o que tinha sido sonhado pelos homens não passava de lixo e imundície, de modo que podiam condenar toda idolatria e toda superstição. Em suma, a sua teologia era: existe um só Deus, que criou o mundo inteiro e nos declarou a sua vontade através de Moisés, dos seus profetas e, finalmente, de Jesus Cristo e dos seus apóstolos; temos apenas um Redentor, que nos comprou com seu sangue e por cuja graça esperamos ser salvos; todos os ídolos do mundo são amaldiçoados e abomináveis. Tendo apenas isso, eles seguiram corajosamente seu caminho para as chamas ou para outro tipo de morte. Não foram apenas dois ou três, mas em tropas tais que o número daqueles que caíram nas mãos dos tiranos é quase infinito.

De nossa parte, somos tão grandes estudiosos (pelo menos assim nos parece) que nada mais nos pode ser acrescentado. E, de fato, no que diz respeito à compreensão das escrituras, Deus abundou mais grandemente para conosco do que jamais fez em qualquer época anterior. No entanto, dificilmente há uma única gota de zelo. Ora, não faz sentido nutrir tal covardia, da nossa parte, a menos que nos preocupemos em provocar a vingança de Deus.

O que então devemos fazer para obter boa coragem? Em primeiro lugar, devemos considerar quão precioso é diante de Deus quando confessamos a nossa fé. Pois temos uma ideia bastante pobre de quão precioso é para Deus, se a nossa vida, que não é nada, é mais preciosa para nós [do que a confissão da nossa fé]. Nisto mostramos uma estupidez maravilhosa. Pois não podemos poupar a nossa vida neste momento sem confessar que a consideramos mais cara do que a honra de Deus e a salvação das nossas almas. Um pagão bem disse que é uma coisa miserável remover as razões que se tem para viver, a fim de salvar a própria vida. No entanto, ele e sua espécie nunca souberam para que fim os homens foram colocados no mundo ou por que vivem aqui. Na verdade, eles sabiam o suficiente para dizer que é preciso buscar a virtude e sustentar-se honestamente e sem censura. Mas todas as suas virtudes não passavam de vapor e fumaça. Sabemos muito melhor para que fim nossa vida deve ser dirigida: a saber, para que possamos glorificar a Deus, a fim de que Ele seja nossa glória.

Sem isso, ai de nós! Pois não podemos prolongar a nossa vida nesta terra nem por um único momento sem acumular muito mais condenação sobre as nossas cabeças. No entanto, não temos vergonha de ganhar mais alguns dias para definhar aqui embaixo, renunciando ao reino eterno, até mesmo nos separando daquele cujo poder nos mantém vivos. Se alguém perguntar às pessoas mais simplórias e mais estúpidas do mundo por que estão vivas, elas não ousarão dizer que é para comer, beber e dormir. Pois todos os homens sabem que foram criados para um fim mais elevado e mais nobre. E que propósito podemos encontrar, senão honrar a Deus e ser governados por Ele, como filhos de um bom pai, para que depois de ter completado a jornada desta vida corruptível, possamos ser recebidos em seu lar eterno? Aqui está o principal, na verdade tudo. Quando não conseguimos levar em conta isso e estamos fadados a uma vida estúpida, que é pior do que mil mortes, o que podemos oferecer como desculpa? Viver sem saber porquê já é contrário à natureza. Rejeitar as nossas razões para viver, por causa de um desejo tolo de obter alguns dias de indulto para viver no mundo enquanto separados de Deus: bem, não sei como chamar tal demência e loucura.

No entanto, visto que as perseguições são invariavelmente duras e amargas para nós, consideremos os meios pelos quais os cristãos podem edificar-se em paciência, ao ponto de poderem expor constantemente as suas vidas pela verdade de Deus. O texto que temos diante de nós, se bem compreendido, é suficiente para nos levar a isso. ‘Saiamos, pois ao seu encontro’, diz o apóstolo, ‘fora do campo, levando a sua vergonha’ (Hebreus 13:13).

Em primeiro lugar, ele nos exorta, embora ainda não tenham sido desembainhadas espadas sobre nós, nem fogo aceso para nos queimar, que não podemos estar verdadeiramente unidos ao Filho de Deus enquanto estivermos enraizados neste mundo. É necessário, portanto, que o cristão, mesmo quando descansa, tenha sempre um pé fora do chão, pronto para marchar para a luta. E não só isso, mas ele deve ter seus afetos retirados do mundo, embora o corpo ali habite. Embora isto possa parecer difícil à primeira vista, devemos estar bastante satisfeitos com as palavras de São Paulo: “fomos chamados e estabelecidos para sofrer” (1 Tessalonicenses 3:3). É como se ele dissesse que a natureza do nosso cristianismo é tal que devemos percorrer este caminho se quisermos seguir Jesus Cristo. No entanto, para confortar a nossa fraqueza e acalmar a perturbação e a tristeza que as perseguições podem nos trazer, aqui está uma boa recompensa: no sofrimento pelo evangelho, seguimos passo a passo o Filho de Deus e temos Ele como nosso guia. Se apenas nos dissessem que, para sermos cristãos, teríamos que passar por todas as dificuldades do mundo, a fim de sofrer livremente a morte com qualquer frequência e de qualquer maneira que agradasse a Deus, teríamos, penso eu, alguma ocasião para responder que é muito estranho andar por aí sem saber para onde. Mas quando somos ordenados a seguir o Senhor Jesus, sua escolta é boa e honrada demais para ser recusada.

Ora, para que isto tenha maior impacto sobre nós, não só se diz que Jesus Cristo vai adiante de nós como nosso capitão, mas também que somos conformados à sua imagem, como discute São Paulo no oitavo capítulo de Romanos; que todos os que ele adotou como filhos, Deus ordenou que fossem conformados com aquele que é o modelo e cabeça de todos eles (Romanos 8:29).

Somos tão delicados que não estamos dispostos a suportar nada? Devemos então renunciar à graça de Deus, pela qual ele nos chamou à esperança da salvação. Pois estas são duas coisas que não podem ser separadas: ser membro de Jesus Cristo e ser provado por muitas aflições. Certamente deveríamos estimar tal conformidade com o Filho de Deus muito mais do que fazemos. É verdade que, de acordo com o mundo, é uma vergonha sofrer pelo evangelho. No entanto, como sabemos que os incrédulos são cegos, não deveríamos ter olhos melhores do que os deles? É humilhante ser afligido por aqueles que ocupam o assento da justiça. No entanto, São Paulo mostra-nos, pelo seu próprio exemplo, que devemos gloriar-nos nas cicatrizes de Jesus Cristo, como marcas pelas quais Deus nos reconhece e nos declara como seus. E sabemos o que São Lucas conta sobre Pedro e João: a saber, que eles se alegraram por terem sido considerados dignos de sofrer vergonha e reprovação pelo nome do Senhor Jesus [Atos 5:41].

Agora, aqui estão duas coisas contrárias: humilhação e dignidade. No entanto, o mundo, estando louco, julga contra toda a razão e assim transforma a glória de Deus em desonra. Pois bem, da nossa parte, não recusemos ser vilipendiados pelo mundo, para sermos honrados diante de Deus e dos seus anjos. Vemos o esforço que homens ambiciosos fazem para obter a ordem de um rei [isto é, título de cavaleiro, condecorações, etc.], e como eles se gloriam nisso. O Filho de Deus nos convida para a sua ordem e todos recuam. Eu te pergunto: se fizermos isso, somos dignos de compartilhar alguma coisa com ele? Nossa carnalidade não pode participar disso; no entanto, estas são as verdadeiras armas da nobreza do céu. Para a imaginação do homem, que desdenha tudo isto – prisões, banimentos, difamações – simplesmente não valem a pena.

Mas o que é que nos impede de considerar o que Deus tem a dizer e julgar sobre isso, exceto a nossa infidelidade?

Portanto, que o nome do Filho de Deus tenha entre nós a importância que merece, para que aprendamos  considerar como uma honra quando Ele nos deixar suas marcas. Caso contrário, nossa ingratidão será insuportável. Se Deus trata conosco de acordo com nossas falhas, ele não tem justa causa para nos castigar diariamente de mil maneiras? Pelo contrário, cem mil mortes não compensam a uma pequena parte dos nossos erros. Agora, por sua infinita bondade, ele põe de lado todas as nossas ofensas e as abole, e em vez de nos punir de acordo com nossos merecimentos, ele encontra uma maneira maravilhosa de transformar as aflições em privilégios e honras especiais, de modo que por meio delas estejamos associados com a sociedade de seu Filho. Não é necessário dizer, quando desprezamos uma condição tão feliz, que aproveitamos pouco a doutrina cristã. É por isso que São Pedro, depois de nos exortar a caminhar tão santamente no temor de Deus, e a não sofrermos como ladrões, fornicadores e assassinos, acrescenta: ‘se devemos sofrer como cristãos, glorifiquemos a Deus pelo favor que Ele nos concede’ (1 Pedro 4:15-16).

Ele não diz isso à toa. Pois quem somos nós, pergunto-vos, para sermos testemunhas da verdade de Deus e administradores encarregados de defender sua causa? Aqui estão algumas minhocas miseráveis, criaturas cheias de vaidade, mentirosas; e Deus deseja que defendamos sua verdade, que é uma honra que nem mesmo os anjos do céu desfrutam. Não deveria esta única consideração nos incendiar para nos oferecermos a Deus para que Ele nos use como quiser em uma causa tão honrosa?

No entanto, muitos não conseguem evitar responder a Deus, ou pelo menos reclamar que Deus não os sustenta melhor em suas fraquezas do que ele mesmos. É surpreendente, dizem eles, uma vez que Deus nos escolheu para seus filhos, como ele permite que os ímpios nos prejudiquem e nos atormentem. Eu respondo: embora possa não ser de todo aparente para nós porquê ele faz isso, ainda assim ele certamente deveria ter o direito de lidar conosco como quiser. No entanto, quando contemplamos Jesus Cristo, nosso modelo, não devemos considerar que é uma grande honra sermos semelhantes a ele, sem pedir mais nada? No entanto, Deus nos mostra razões claras pelas quais ele deseja que soframos perseguição. Se tivéssemos apenas essa admoestação que São Pedro faz, seríamos muito desdenhosos se não concordássemos com isso [isto é, com a perseguição]. É: ‘Visto que o ouro e a prata, que são meramente metais corruptíveis, são purificados e provados pelo fogo, certamente é lógico que a nossa fé, que excede todas as riquezas deste mundo, deva ser provada‘ (1 Pedro 1:7). Deus certamente poderia nos coroar imediatamente, sem nos obrigar a enfrentar nenhuma batalha. Mas, assim como ele deseja que Jesus Cristo reine até o fim do mundo no meio dos seus inimigos, ele também deseja que vivamos entre eles e soframos suas opressões e ofensas até que ele nos liberte deles.

Estou bem ciente de que a carne recua quando se procura levá-la a este ponto. No entanto, é essencial que a vontade de Deus seja o seu mestre. Se sentirmos algum conflito em nós mesmos, não devemos ficar chocados; é muito natural fugirmos da cruz. Não deixemos, porém, de prosseguir, sabendo que Deus aceita o serviço, desde que captemos e subjuguemos todos os nossos sentidos e desejos, submetendo-os a ele. Pois os profetas e apóstolos não morreram sem sentir algum desejo de recuar. ‘Eles te guiarão para onde você não deseja ir’, disse nosso Senhor Jesus Cristo a Pedro (João 21:18). Portanto, quando somos atormentados por tais medos da morte, vençamo-los; antes, deixe Deus vencer; e tenhamos certeza de que é um sacrifício agradável para ele, quando resistimos e violentamos nossas afeições para estar inteiramente sob seu comando. Esta é a principal guerra na qual Deus deseja que os seus se empreguem.

Deixe-os se esforçar para derrotar tudo em seus sentidos e espíritos que se eleva para desviá-los do caminho que ele coloca diante deles.

Contudo, as consolações são tão amplas que é preciso dizer que quem falha aqui é pior que um covarde. Na antiguidade, um número infinito de pessoas não recusava nenhum trabalho, incômodo ou dificuldade pelo desejo que tinham de uma simples coroa de folhas. Mesmo suas próprias vidas eles não contavam como queridas. No entanto, não houve um deles que não lutasse incerto do resultado, sem saber se ganharia o prêmio ou não. Deus coloca diante de nós a coroa imortal pela qual podemos ser feitos participantes de sua glória. Ele não pretende que façamos uma guerra arriscando-nos. Pelo contrário, ele promete a todos o prêmio que devemos desejar.

O que há aqui para reclamar? Supomos que é em vão que se morremos com Jesus Cristo, também viveremos com ele (2 Timóteo 2:11)? A vitória está preparada para nós e fugimos da luta com todas as nossas forças. Admito que este ensino é repulsivo ao julgamento humano. Da mesma forma, quando Jesus declara que aqueles que sofrem por causa da justiça são abençoados (Mateus 5:10), ele não está apresentando uma afirmação que seja fácil para o mundo aceitar. Pelo contrário, ele gostaria que considerássemos felicidade o que nosso julgamento considera miséria. Parece-nos que somos infelizes quando Deus nos deixa pisoteados pela tirania e pela crueldade dos nossos inimigos. O problema é que não estamos atentos às promessas de Deus que nos garantem que todas as coisas serão voltadas para o nosso bem. Ficamos abatidos, vendo que os ímpios são os mais fortes e colocam o pé em nossa garganta. No entanto, tal angústia, como diz São Paulo, deveria antes nos elevar ao alto.

Sempre que somos excessivamente propensos a nos divertir com as coisas do presente, Deus, ao permitir que as pessoas boas sejam maltratadas e ao permitir que os ímpios levem a melhor, mostra-nos por sinais claros que chegará um dia em que tudo o que é agora errado será reformado. Se o período parece longo, corramos para o remédio e não nos deixemos de modo algum levar pela nossa maldade, pois é certo que não teremos fé se não ampliarmos a visão da nossa alma em direção à vinda de Jesus Cristo.

Para não negligenciar nenhum meio adequado para nos animar, Deus coloca-nos promessas, por um lado, e ameaças, por outro. Sentimos que as promessas não têm poder suficiente sobre nós? Adicionemos-lhes as ameaças para fortalecê-los. Certamente devemos ser muito rebeldes para não colocarmos mais fé nas promessas de Deus, quando o Senhor Jesus diz que nos declarará como seus diante de seu pai, desde que o confessemos diante dos homens (Mateus 10:32). O que pode ser que nos impeça de lhe fazer a confissão que ele exige? Quando os homens tiverem feito tudo o que podem, não poderão fazer nada pior do que nos matar. E como será o nosso prêmio, a vida no céu?

Aqui não estou acumulando todas as promessas contidas nas Escrituras que defendem o mesmo ponto. São tantas (especialmente porque são frequentemente reiteradas) que deveríamos estar totalmente equipados. E quando se trata de contar, se três ou quatro não são suficientes para nós, então cerca de cem, se for o caso, certamente superarão todas as tentações contrárias.

No entanto, se Deus não pode nos atrair para si pela doçura, não deveríamos ficar mais do que furiosos, se as ameaças também não conseguem fazer o trabalho? Jesus Cristo acusa diante de Deus, seu pai, todos os que negaram a verdade por medo da morte física, e ele diz que corpo e alma sofrerão perdição (Lucas 9:26). Em outra passagem, ele diz que renunciará a todos os que o negaram diante dos homens (Mateus 10:33). A menos que estejamos muito desprovidos de nossos sentidos, essas palavras deveriam arrepiar até os cabelos de nossas cabeças.

Em qualquer caso, se não formos adequadamente tocados, apenas uma horrível confusão nos aguarda, pois como todas as palavras de Jesus Cristo nos aproveitam tão pouco, somos condenados por uma incredulidade muito grande. Em vão alegaremos a fraqueza de nossa natureza tão frágil, pois diz, pelo contrário, que Moisés, tendo olhado para Deus pela fé, foi fortalecido para não ceder a nenhuma tentação (Hebreus 11:24). Portanto, se somos tão brandos e flexíveis que não há zelo nem constância em nós, é uma boa indicação de que não sabemos nada sobre Deus ou seu reino.

Se nos disserem que deveríamos ser amarrados até a cabeça, achamos que temos bons motivos para nos desculparmos simplesmente dizendo que somos homens. O que, então, foram aqueles que vieram antes de nós? Na verdade, se tivéssemos apenas o puro ensino, quaisquer desculpas que pudéssemos inventar pareceriam frívolas. No entanto, como temos tantos exemplos que deveriam servir para nos levar à aprovação, seremos ainda mais condenados. Agora, aqui há dois pontos a considerar: o primeiro é que todo o corpo da igreja em geral sempre esteve e sempre estará sujeito a ser afligido pelos ímpios, como diz no Salmo (129:2-3). ‘Eles me perturbaram desde a minha juventude e me atacaram de um extremo ao outro.’ Ali o Espírito Santo apresenta a antiga igreja como oradora para que nós, tendo conhecido suas aflições, não devêssemos achar novo ou problemático que deveríamos sofrer o mesmo hoje. Da mesma forma, São Paulo aduz esta passagem (Romanos 8:36) de outro Salmo (44:22) onde diz: ‘fomos como ovelhas para o matadouro’, mostrando que não foi apenas por uma época, mas sim que foi é o destino comum da igreja, e será.

Assim, vendo a igreja de Deus pisoteada em nossos dias pelo orgulho dos mundanos, vendo um latindo atrás dela, outro mordendo-a, que eles a atormentam e conspiram contra ela, que ela é continuamente atacada por cães loucos e animais selvagens, lembremo-nos de que isto tem sido feito desde os tempos antigos. É verdade que Deus às vezes lhe dá pausas e tréguas, que é o que diz o Salmo acima mencionado: ‘Ele corta as cordas dos ímpios’ [Sl. 129:4]; e, na outra passagem, ‘ele quebra o seu bordão, por medo de que os justos, sendo excessivamente pressionados, se entreguem ao pecado’ [Isa. 14:5; Sal. 125:3].

Isto demonstra que ele sempre quis que a sua igreja estivesse neste mundo para travar a guerra, tendo reservado o seu descanso lá no céu. Essas aflições, no entanto, sempre tiveram um resultado feliz. Deus, pelo menos, cuidou para que a igreja, embora pressionada por muitos males, nunca fosse totalmente dominada, como diz (Salmo 7:15) que os ímpios, apesar de todos os seus esforços, não conseguiram o que tinham em mente. São Paulo se gloria na mesma [coisa], para mostrar que é um dom perpétuo de Deus. Ele diz que ‘suportamos tribulações, mas não ficamos angustiados por causa delas; estamos empobrecidos, mas não desamparados; somos perseguidos, mas não abandonados; somos abatidos, mas não perecemos. Trazemos em nossos corpos a morte do Senhor Jesus, para que sua vida se manifeste em nossos corpos mortais” (2 Coríntios 4:8-11). Visto que vemos que Deus fez com que as perseguições tivessem o mesmo resultado para a sua igreja em todos os tempos, certamente isso deveria nos dar coragem, sabendo que nossos pais, que eram homens fracos como nós, sempre obtiveram a vitória sobre seus inimigos, pois eles permaneceram firmes na paciência.

Agora, toco brevemente neste assunto, para chegar ao segundo ponto, que é mais adequado ao nosso propósito. É aproveitar os exemplos particulares dos mártires que nos precederam.

Ora, não são apenas dois ou três deles, mas uma nuvem grande e espessa, como diz o apóstolo no capítulo doze de Hebreus, onde indica que o número é tão grande, que é quase esmagador. Para evitar falar muito, tomarei apenas os judeus, que foram perseguidos pela verdadeira religião, tanto sob a tirania do rei Antíoco, como logo após sua morte. Não podemos alegar que se tratava de um pequeno número de pessoas, pois naquela época havia um grande exército de mártires. Não podemos dizer que eram profetas, a quem Deus separou das pessoas comuns, pois este grupo incluía mulheres e crianças pequenas. Não podemos dizer que eles escaparam facilmente, pois foram torturados tão cruelmente quanto possível. Ouvimos também o que o apóstolo declara sobre o assunto. Ele diz que alguns deles foram estendidos como tamborins, sem pensar em serem libertos, a fim de obterem uma melhor ressurreição (Hb 11:35). Outros foram julgados por zombarias e espancamentos, ou por grilhões e prisões. Outros foram apedrejados ou serrados em pedaços. Outros iam de um lado para o outro, vagando pelas montanhas e pelas cavernas.

Agora vamos fazer uma comparação entre eles e nós. Se eles perseveraram pela verdade de Deus, que naquela época ainda era tão obscura, o que deveríamos fazer no brilho que agora brilha? Deus fala conosco com a boca bem aberta; a grande porta do reino dos céus está aberta; Jesus Cristo chama-nos a si, tendo descido entre nós, para que o tenhamos, por assim dizer, presente aos nossos olhos. Que reprovação será para nós se tivermos menos zelo em sofrer pelo evangelho do que aqueles que apenas cumprimentaram as promessas de longe? Eles tinham apenas uma passagem estreita aberta para entrar no reino de Deus. Eles tinham apenas alguma semelhança ou esboço de Jesus Cristo. A língua não consegue falar essas coisas como elas merecem. Deixo, portanto, a cada um pensar sobre elas.

Agora, como este é um ensinamento geral, deveria ser praticado por todos os cristãos. No entanto, cada um deve aplicá-lo ao seu uso particular, conforme a necessidade. Digo isto para que aqueles que não se encontram em perigo aparente não pensem que isso é supérfluo para eles. Eles não estão atualmente nas mãos de tiranos. Mas o que sabem eles sobre os planos de Deus para eles no futuro? Devemos, portanto, estar tão prevenidos que, caso alguma perseguição inesperada nos aconteça, não seremos apanhados de surpresa. Receio, no entanto, que muitos façam ouvidos moucos a este assunto. É tão necessário que aqueles que estão calmos e à vontade se preparem para suportar a morte, sempre que for necessário, como que se contentem em servir a Deus na vida.

De qualquer forma, deveria ser o nosso estudo normal, e especialmente no tempo em que nos encontramos. No entanto, aqueles a quem Deus chama para sofrer pelo testemunho do seu nome devem mostrar pelas suas ações que foram bem preparados para se comportarem com constância nisso [ou seja, na morte]. Devem recordar todas as exortações que ouviram em tempos passados, como um soldado que pega em armas quando a trombeta soa.

Mas o que encontramos? As pessoas procuram desculpas para escapar. Digo isso em relação ao maior número. A perseguição é de fato um verdadeiro teste pelo qual Deus descobre quais são os seus.

Às vezes, dificilmente há quem se mostre fiel a ponto de se apresentar com ousadia para morrer. Agora parece quase inacreditável que pessoas que se vangloriam de ter ouvido algo do evangelho ousem abrir a boca para proferir tais críticas. Alguns dirão: ‘O que se ganha confessando a nossa fé a pessoas teimosas que decidiram lutar contra Deus? Isso não é lançar pedras preciosas aos porcos (Marcos 8:38)?’ Como se Jesus Cristo não tivesse declarado claramente que deseja que o confessemos entre os mais perversos e maus. Se não forem edificados por isso, pelo menos acabarão confusos com isso. A confissão é um cheiro suave diante de Deus, embora possa ser fatal para aqueles que são reprovados por ela. Há alguns que dizem: ‘Que bem fará a nossa morte? Muito provavelmente, isso se tornará uma pedra de tropeço.’ Como se Deus tivesse deixado que eles escolhessem morrer sempre que lhes parecesse bom, sempre que o momento lhes parecesse oportuno. Pelo contrário, confirmamos a nossa obediência, deixando nas suas mãos o bem que pode advir da nossa morte.

Portanto, é necessário antes de tudo que o homem cristão, onde quer que esteja, independentemente dos perigos ou ameaças, decida caminhar na simplicidade, como Deus lhe ordena que faça. Que ele se proteja o máximo que puder da fúria dos lobos, mas que não o faça por meio de artifícios carnais. Acima de tudo, deixe-o colocar a sua vida nas mãos de Deus. Ele fez isso? Caso ele caia nas mãos do inimigo, reconheça que Deus o trouxe para lá para ser uma das testemunhas de seu Filho e que, portanto, não há como recuar, exceto quebrando a fé daquele a quem prometemos cumprir todos os deveres, viver para ele e morrer para ele, e de quem somos e a quem pertencemos, mesmo que não lhe tenhamos prometido nada.

Com isto, não é minha intenção impor a todos a exigência de fazer uma confissão completa e inteira de tudo o que acreditam, mesmo que isso lhes tenha sido exigido. Também estou ciente da restrição que São Paulo empregou sobre isso, e ele estava mais determinado do que ninguém a manter a causa do evangelho com ousadia, como era obrigado a fazer. Além disso, não é à toa que nosso Senhor Jesus nos promete que em tal situação Deus nos dará sabedoria e fala, como se dissesse que a função do Espírito Santo não é apenas fortalecer-nos para sermos valentes e corajosos, mas também para nos dar prudência e discrição para sabermos como agir com conveniência em qualquer caso [Mat. 10:17-20; Lucas 12:11-12]. É muito importante que aqueles que estão em tal situação peçam e recebam tal prudência do alto; que não sejam guiados pela sua própria mente carnal para procurar alguma forma de fuga através dos pântanos, como diz o ditado.

Há alguns que respondem que o próprio nosso Senhor Jesus não respondeu aos seus interrogadores. Mas digo, em primeiro lugar, que isso não pretendia abolir a regra que ele nos deu, de confessar a nossa fé quando isso nos é exigido. Em segundo lugar, digo que ele nunca dissimulou para salvar a sua vida. Em terceiro lugar, nunca deu uma resposta tão ambígua que deixasse de dar algum testemunho do que tinha a dizer, a menos que já tivesse dado resposta suficiente aos que vieram examiná-lo novamente, cujo objetivo era espalhar as suas redes para o apanhar desprevenido.

No entanto, que este seja um ponto estabelecido entre todos os cristãos: eles não devem dar mais valor à sua vida do que ao testemunho da verdade, pois Deus deseja ser glorificado através dela. É em vão que ele chama de testemunhas todos aqueles que devem responder aos inimigos da fé (pois é isso que significa a palavra “mártir”)? Não é porque ele quer fazer uso deles dessa maneira?

E não devemos olhar cada um para o seu próximo [ou seja, perguntando-se por que ele não deveria cumprir o dever, e não para si mesmo]. Afinal, Deus não dá a todos a honra de chamá-los para isso. E, como estamos inclinados a isso, devemos nos proteger muito melhor contra isso. Pedro, tendo ouvido da boca de nosso Senhor Jesus que na sua velhice seria levado para onde não desejava, perguntou o que seria do seu amigo João. Não há nenhum de nós que não dê prontamente tal resposta, pois isto vem imediatamente ao nosso pensamento: “Por que devo sofrer em vez dos outros?” Pelo contrário, Jesus Cristo exorta cada um de nós em particular, e todos em geral, para nos mantermos prontos para que, quando ele chamar alguns ou outros, possamos manter a fileira, marchando de acordo com as nossas ordens.

Já expliquei aqui que estaremos mal preparados para sofrer o martírio, a menos que estejamos armados com as promessas de Deus. Resta agora expor um pouco mais detalhadamente qual é o sentido das promessas. Não entrarei em detalhes minuciosos sobre cada uma delas, mas antes mostrarei as principais coisas que Deus deseja que esperemos dele para encontrarmos conforto em nossas aflições. Essas coisas são três ao todo.

A primeira é que, uma vez que a nossa vida e a nossa morte estão nas suas mãos, ele nos preservará pelo seu poder a tal ponto que nem mesmo um fio de cabelo será arrancado das nossas cabeças, mas somente com a sua autorização. Portanto, em cujas mãos os fiéis se encontrem, eles devem ter certeza de que Deus não libertou o domínio que exerce sobre suas pessoas. Se tal persuasão estivesse bem gravada em nossos corações, seríamos libertos do maior número de dúvidas e perplexidades que nos torturam e nos impedem de cumprir nosso dever. Vemos tiranos sem controle; por isso, parece-nos que Deus já não tem meios de nos salvar. Somos, portanto, tentados a cuidar dos nossos assuntos como se nada mais se esperasse dele.

Pelo contrário, a sua providência, tal como Ele nos revela, deveria ser a nossa fortaleza invencível. Portanto, trabalhemos para aprender uma coisa: nossos corpos estão nas mãos daquele que os criou. Por esta razão, ele às vezes libertou os seus milagrosamente, além de toda expectativa humana, como nos casos de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego da fornalha ardente, Daniel da cova dos leões e Pedro da prisão de Herodes, onde ele estava tão intimamente trancado, acorrentado e guardado. Por meio desses exemplos, ele teve o prazer de nos dar testemunho de que, embora possa não parecer, ele mantém nossos inimigos sob controle e tem o poder de nos arrancar do meio da morte quando quiser. Não que ele sempre faça isso, mas ao reservar-se o privilégio de dispor de nós pela vida e pela morte, ele pretende que estejamos convencidos de que estamos todos sob sua guarda, que embora os tiranos possam nos atacar, e por mais que furiosamente eles nos pressionam, é só ele quem ordena a nossa vida.

Se ele permite que os tiranos nos matem, não é que a nossa vida não lhe seja cara e não seja cem vezes mais honrada que merece. Que assim seja, visto que ele declarou pela boca de Davi que a morte dos seus santos é preciosa diante dele (Sl 116:1). Ele também diz pela boca de Isaías (26:21) que a terra descobrirá o sangue que parece escondido. Portanto, deixe os inimigos do evangelho derramarem o sangue dos mártires tão livremente quanto quiserem; ainda assim, eles terão que prestar contas terríveis, até a última gota. Hoje riem orgulhosamente enquanto queimam os fiéis e, depois de se banharem no seu sangue, ficam tão embriagados que não pensam em tantos assassinatos e ficam bastante entusiasmados. Mas se tivermos paciência para esperar, Deus finalmente mostrará que não foi em vão que ele atribuiu tão grande valor à nossa vida. Contudo, ele não nos faz mal se as nossas vidas servem para confirmar o evangelho, que é mais honroso do que o céu e a terra.

Para que tenhamos mais certeza de que Deus não nos abandona nas mãos de tiranos, recordemos a declaração de Jesus Cristo onde diz que é a ele que perseguem nos seus membros (Atos 9:4). Deus já havia dito através de Zacarias (2:8): “Quem tocar em você, toca na menina dos meus olhos.” Isto, porém, é ainda mais direto: se sofrermos pelo evangelho, é como se o Filho de Deus fosse lá pessoalmente. Compreendamos, portanto, que Jesus Cristo teria se esquecido de si mesmo se não pensasse em nós quando estamos na prisão ou em perigo de morte por sua causa. Deixe-nos saber que Deus levará todos os ultrajes que os tiranos nos fazem de forma muito pessoal, como se fossem dirigidos ao seu próprio Filho.

Voltemo-nos agora para o segundo ponto que Deus nos faz em suas promessas, a fim de nos confortar: ele nos sustentará de tal maneira pelo poder de seu Espírito, que tudo o que nossos inimigos fizerem, [nenhum deles,] nem mesmo seus líder Satanás será capaz de nos derrotar a qualquer momento. Na verdade, vemos como ele administra suas graças em tais dificuldades; pois a firmeza invencível dos verdadeiros mártires é uma bela demonstração de que Deus os ministra poderosamente.

Há duas coisas nas perseguições que são problemáticas para a carne: a injúria e o desdém dos homens e a tortura que o corpo suporta. Bem, Deus promete segurar nossa mão com tanta firmeza que venceremos a ambos pela paciência da fé. O que ele diz aqui ele confirma pelo acontecimento. Portanto, tomemos este escudo para repelir todos os medos que nos assaltam, e não podemos submestimar o poder do Espírito de Deus pensando que não superará facilmente todas as crueldades dos homens.

Tivemos um exemplo memorável, entre outros, disso em nossos tempos. Um jovem, que vivia connosco aqui, foi preso na cidade de Tournay e condenado a ter a cabeça decepada se não se retratasse, e a ser queimado vivo se persistisse no seu testemunho. Quando lhe perguntaram o que ele queria fazer, ele simplesmente respondeu: ‘Aquele que me dá a graça de morrer pacientemente por seu nome também me dará a graça de suportar o fogo.’ Não devemos interpretar esta frase como vinda de um homem mortal, mas a partir do Espírito Santo, destinado a nos assegurar que Deus não é menos capaz de nos fortalecer e nos tornar vitoriosos contra a tortura, do que de nos fazer achar uma morte mais branda e agradável.

Além disso, muitas vezes vemos a firmeza que ele concede aos pobres criminosos que sofrem pelos seus crimes. Não estou falando dos endurecidos, mas daqueles que buscam conforto na graça de Jesus Cristo e, assim, obtêm um coração pacífico no castigo mais severo que alguém pode sofrer, como vemos tão lindamente ilustrado no ladrão que foi convertido na morte de nosso Senhor Jesus. Será que Deus, que ajuda tão poderosamente os pobres criminosos que são punidos pelos seus crimes, decepcionará o seu povo que luta pela sua causa ao não lhes dar um poder invencível?

O terceiro ponto das promessas que Deus faz aos seus mártires diz respeito ao fruto que eles podem esperar dos seus sofrimentos e, finalmente, se for necessário, da sua morte. Este fruto é que depois de glorificarem o seu nome e edificarem a igreja pela sua firmeza, eles serão reunidos com o Senhor Jesus na sua glória imortal. Contudo, como já falamos mais detalhadamente sobre isso anteriormente, bastará agora simplesmente trazê-lo à mente. E assim, que os fiéis aprendam a erguer a cabeça ao alto para ver esta coroa de imortalidade e glória, para a qual Deus os acena, para que não se preocupem em deixar a vida presente por tal morada. E para que tenham a certeza deste bem incalculável, tenham sempre diante dos olhos a semelhança que têm com nosso Senhor Jesus, olhando para a vida no meio da morte, quando ele, pela vergonha da cruz, alcançou a gloriosa ressurreição, onde reside toda a nossa felicidade, alegria e triunfo.

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